Sabe aqueles dias que tem tanta coisa para adiantar e resolver que o dia parece curto demais para dar conta de tudo? Aqueles dias que começamos mastigando a ansiedade no café da manhã?
Escrever essa news dá trabalho e passo muito tempo lapidando as palavras. Um trabalho muito prazeroso, mas nem por isso menos trabalhoso. Mas porque hoje é um dia que preciso priorizar certos afazeres (estou me mudando e a minha cabeça está em todos os lugares…), decidi reciclar um texto antigo aqui na news.
Um texto que fala do arco-íris de sensações que colorem nosso corpo quando estamos nos apaixonando. Do sentimento de sair de si, de se expandir, de se tornar o mundo, um sopro de vida. Um texto que escrevi quando estava conhecendo a pessoa com quem vou me mudar agora, há quase sete anos atrás.
Espero que gostem!
Arco-íris
Agora que sinto o peito acelerar na tua presença e retorno a sentir o fogo que anima minha paixão, a bolha que me protegia estoura e a realidade escapa subitamente, revelando a gravidade solene de todas as coisas em relação umas às outras no espaço. Percebendo a face crua do mundo – teus olhos infinitamente além e docemente próximos –, sou então o peso das coisas. Não a face que me encara no espelho, não esta que te mira e que é visão do teu olhar, não esta com voz de mulher e grunhido de bicho pequeno, timbre de criança amadurecida, não esta com as palavras em ponta de faca na ponta da língua na beira do mundo. Sou o gesto que me revela e me conduz a espaços já percorridos, absolutamente novos. Sou a música que passeia no ar e viaja por entre o pó à luz do meio dia. Sou a velocidade dos objetos à espera do toque, a portinhola esperando que seja destravada e aberta, cumprindo seu desígnio. Sou este movimento tentando descobrir o próprio desígnio. Circunstancial, estranho a si, desconhecido de seus próprios motivos íntimos, confiando na esperteza do corpo que percebe e aprende a cada queda. Me preparo para algum voo e me lanço a ti, plainando no ar: eu sou a brisa. Existe uma sinceridade bruta e uma escuta mansa nos atravessando. Existe um desejo transbordante, descabido, intenso. Existe uma primeira juventude na descoberta do vocabulário dessa materialidade grave e aérea que se forma entre nós. Não sei exatamente o que sou, que organizações, que reflexos, que cabelos, que temperaturas, que paisagens, que coreografias, mas sei que há em tudo que me circunda um mistério concreto que anima e dá forma e gravitação, que oferece chão aos despossuídos de nome. Reina um silêncio sábio entre as folhagens. Não é a ausência de som, mas a escuta atenta ao mais íntimo dos seres. Viver entre o canto da cigarra e o sussurro do vento. Habitar entre os pelos de seu peito e a distância de suas pintas. Morar entre o sabor da fome e as delícias que nos saciam em pequenas doses. Sou este aroma que transcende a coisa em si. Sou esta coisa nenhuma. O espaço entre um dente e outro. A vida que pousa colorida em cada gotícula d'água atravessada pela luz num dia fresco de verão.
Obrigada pela leitura!
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Até a próxima!
Beijos,
Dani